Ninguém sabe ao certo conceituar ‘pós-modernidade’, nem dizer com precisão o que significa ser ‘pós-moderno’. Apenas é possível, por diferenciação, afirmar uma pretensiosa antítese à modernidade, como que desejando denotar a superação de um período que já passou.
Ninguém tem dúvidas de que os tempos que correm suportam uma vida pública e privada diferente daquela de bem pouco tempo atrás. Mas os pensadores não conseguem diagnosticar com precisão o que mudou - quais as causas - e para onde iremos daqui para frente. Não conseguem porque talvez não tenhamos ainda o distanciamento necessário para pensar sobre nós mesmos.
Zigmunt Bauman, do alto da sua lucidez, brada em sons poloneses, que já não temos uma ‘grande narrativa’ para explicar, como diria Agostinho Ramalho, ‘quem somos e para onde vamos’. Outros lançam mão de Nelson Saldanha e dizem que confundimos ‘o jardim com a praça’. Alguns lembram de Roberto da Matta, para afirmar que já não sabemos quem são os ‘malandros’ e quem são os ‘heróis’, em meio a este carnaval pós-moderno.
Os apologistas do nosso tempo sugerem ao debate o neoconservador Francis Fukuyama para dizer que a caminhada acabou, e chegamos, em fim, ao ‘fim da história’.
Os apologistas do nosso tempo sugerem ao debate o neoconservador Francis Fukuyama para dizer que a caminhada acabou, e chegamos, em fim, ao ‘fim da história’.
Com tantas divergências na maneira de verificar o que ocorre com o Estado e suas instituições, e também com a sociedade hoje em dia, seria natural que convivêssemos com as diferenças e com as oposições, e que a vida se tornasse um mosaico de pensamentos e de homens que se toleram mutuamente. Mas não é assim!
As estruturas de poder – ou os sistemas hiper-complexos - tendem todos ao totalitarismo ou ao autoritarismo. Quando se trata da maioria sufocando a minoria, o que se realiza é o pensamento totalitário, e quando a minoria oprime a maioria o que se vê é o autoritarismo realizado. Neste aspecto, a pós-modernidade é avassaladora. Ambos – totalitarismo e autoritarismo - têm horror ao debate, medo das diferenças, pânico das interrogações e dos questionamentos. A eles reagem furiosamente.
Neste aspecto, o pós-moderno não vem ao debate, não acolhe as análises das contradições, mas apenas tem as suas respostas e não aceita as digressões, as críticas e as contraposições. Não pensa o outro como titular de idéias e direitos, não respeita o indivíduo pelo só fato de existir e de pensar de forma diferente. Talvez isto seja assim por que a tendência de quem acredita na sua onipotência seja pensar que a história começou e acabou no tempo da sua existência. São homens como o imperador Chinês Ch´ín Shi Huang, que não obstante ter determinado a construção da Grande Muralha, ordenou a queima de todos os livros do império, para que a cultura começasse a partir de seu reinado.
Na verdade, esta noção de ‘em fim a glória’ traz a reboque o aparelhamento das instituições, e o acoplamento de sub-sistemas que deveriam auxiliar na diferenciação, mas são confundidos e negados pelo totalitarismo.
Este teatro de idéias, quando cede às tendências totalitárias, torna-se apenas um aparelho: aparelho de parentes, de asseclas, de necessitados. Isto passa pela utilização do poder para gerar poder, e pelo célebre acoplamento de forças que possuem seu lugar específico, mas que são abandonadas em benefício do acúmulo.
É próprio do modelo totalitário, em voga nesta confusa pós-modernidade, o acoplamento de representações que deveriam realizar a tolerância e garantir as diferenciações, ao modelo que se impõem como verdadeiro e benéfico. A literatura demonstra, através de tantos como Hannah Arendt, que o desfecho deste modelo não é nada bom.
Por outro lado, também é próprio deste modelo a ‘invenção de inimigos comuns’, e a política maldosa do terror e da intimidação, como instrumento de garantia da aceitação. Para isto se pratica a distorção de fatos e a dedução de motivações e de características desqualificadoras. Cria-se um totalitarismo opressor, e nega-se o passado, criando a verdade sabida e incontestável.
Mas não seria o caso das Universidades capitanearem o processo de superação dos autoritarismos e dos totalitarismos?
Seria, mas não é o caso!
É no espaço reservado às idéias que a intolerância e o totalitarismo mais se desenvolvem, e a imposição dos ‘momentos totais’ e das ‘verdades absolutas’ se afiguram em profusão.
Talvez o filme ‘A Onda’ devesse ser projetado em algumas salas de aula.
Ser tolerante, acadêmico, homem de idéias e afeto às discussões não é característica de todos os professores e de todos os acadêmicos. Alguns se dedicam a esta luta de idéias por amor ao debate, outros pela paixão pelo poder, pelo messiânico ânimo de controlar a tudo e a todos.
Como disse um dia Mário Vargas Llosa, “aqueles que amam sua vocação tendem a seguir lutando as trinta e duas guerras do Coronel Aureliano Buendía, ainda que os derrotem em todas.”
Outros, reservam sua vocação para o poder, e fazem da sala de aula um instrumento.
Ser professor e pesquisador, nas universidades é como lutar as trinta e duas guerras lembradas em “Cem Anos de Solidão”, de García Marquez, e mesmo assim permitir-se manter a gana de fazer sempre o mesmo - e cada vez melhor – e ainda seguir sendo derrotado pelo pós-moderno desejo de acumular poder.
Mas como compreender e superar a realidade que – esta sim – é implacável com o moderno convívio com a diferença e com a circulação de poder? Como superar as dificuldades se na própria universidade seguirmos incapazes de tolher o acúmulo insano de poder, o aparelhamento das instituições, o totalitarismo decisório, a criação virtual de inimigos, a privatização das decisões, a negação da história e a inversão de valores acadêmicos?Um pouco de modernidade faria bem, para não corremos o risco de virarmos pré-históricos, e não pós-modernos.