Na França revolucionária, em meio a muitas xícaras de chocolate, e provavelmente em uma mesa simples, no interior do Le Procope – um café até hoje existente na ‘Rua da Antiga Comédia’ - Voltaire ousou sonhar com a igualdade entre os Homens perante o Estado.
Ele, que vinha da França aristocrática, onde as pessoas possuíam valor apenas em razão de sobrenomes, dos títulos nobiliárquicos, das propriedades e das riquezas, imaginava uma República onde a vida poderia ser vivida debaixo de um único conceito, mais humano e mais honesto: citoyen!
Acreditou, certamente, na Justiça que não conhece rosto, dinheiro ou poderio. Sonhou uma Justiça criminal onde as leis são aplicadas independentemente das vontades privadas, acostumadas a submeter o Estado e a corromper verdades. Certamente Françoise-Marie Arouet acreditou em um mundo onde o juiz criminal não seria submetido a opressões, calúnias, difamações e perseguições pela só razão de cumprir a sua função.
Imaginou, com segurança, que não existiriam, em um futuro próximo, a soberba de quem se sente acima da lei, e nem a indignação incontida de alguns homens em razão de um processo. A idéia de cidadão não era condizente, para Voltaire, com homens que concebem a si mesmos, como indivíduos a latere de qualquer ação do Estado, acima de qualquer normatização, pairando sobre qualquer crítica. Era a década de setenta, e do século XVIII!
De lá para cá o Estado mudou consideravelmente, mas algumas coisas não mudaram! As liberdades civis ampliaram-se, e os direitos humanos, que nasceram para proteger os homens do Estado, passaram a ser a razão mesma do Estado. A Justiça criminal passou a ocupar a função de também julgar os indivíduos em razão do assalto e da rapinagem de bens públicos e a permitir investigações dos atos de quem vê no patrimônio comum o combustível para o enriquecimento particular.
Mas o juiz desejado pelo iluminismo também é o avesso do que se percebe em Villefort, o conhecido Procurador Régio que condena ao Château d’If Edmond Dantes, no celebre romance de Alexandre Dumas. Ele é um juiz equilibrado, atencioso com as partes, que não se deixa enganar por acusadores e nem se amedronta frente aos esbirros. Ao magistrado sonhado por Voltaire não é dado o direito à sedução, e a ele não é permitido sequer perceber quaisquer propostas implícitas – ainda que recheadas da elegância cordial das academias - mas que tenham por objetivo ceifar o cumprimento da nobre função de ser correto.
A este juiz ideal é imperioso compreender que todo aquele que é submetido à ação da Justiça tem o sagrado direito a malquerença. Todo réu, todo investigado, e todo criminoso tem o singular direito de identificar no magistrado que julga a causa o seu supremo inimigo, o responsável por todos os seus atos, e o único a ver seus mais diversos delitos. Também ele, o juiz, tem de conviver com a idéia de ser julgado e analisado durante todos os seus dias, além de ser difamado e acusado de agir, impunemente, para a realização de seus próprios desejos. Nada mais natural do que o humano direito de culpar terceiros por seu próprio fracasso.
Em tempos de pós-modernidade são muito importantes as lições de uma República, na qual a justiça, as igualdades e as liberdades são acessíveis aos cidadãos. Infelizmente, esta compreensão de igualdade, base do sentido moderno de República, não é partilhada por todos.
Entender que o sentido do substantivo que nos qualifica – como se adjetivo fosse – reside exatamente na idéia de coisa pública, de espaço de todos, regiamente direcionada pelo senso de igualdade, às vezes é tarefa impossível. A República precisa ser mais uma vez, e sempre, fundada.
O exercício da jurisdição criminal nada mais representa do que um exercício de Republicanismo e de cidadania. Mesmo que este exercício seja vilipendiado, e seu autor tenha de suportar ameaças, difamações, tentativas de achaque e tentativas de constrangimento, é preciso guardar a lhaneza e a tranqüilidade para lembrar que se é, acima de tudo, servidor público.
O juiz imaginário, pensado por Françoise-Marie Arouet, sempre saberá que ninguém está acima das leis e do espaço público, mesmo que em dados momentos, e em dados lugares, seja necessário reinventar a República, ou mesmo instaurá-la, pois é certo que a alguns quadrantes do globo ela parece nunca ter chegado.
Ele, que vinha da França aristocrática, onde as pessoas possuíam valor apenas em razão de sobrenomes, dos títulos nobiliárquicos, das propriedades e das riquezas, imaginava uma República onde a vida poderia ser vivida debaixo de um único conceito, mais humano e mais honesto: citoyen!
Acreditou, certamente, na Justiça que não conhece rosto, dinheiro ou poderio. Sonhou uma Justiça criminal onde as leis são aplicadas independentemente das vontades privadas, acostumadas a submeter o Estado e a corromper verdades. Certamente Françoise-Marie Arouet acreditou em um mundo onde o juiz criminal não seria submetido a opressões, calúnias, difamações e perseguições pela só razão de cumprir a sua função.
Imaginou, com segurança, que não existiriam, em um futuro próximo, a soberba de quem se sente acima da lei, e nem a indignação incontida de alguns homens em razão de um processo. A idéia de cidadão não era condizente, para Voltaire, com homens que concebem a si mesmos, como indivíduos a latere de qualquer ação do Estado, acima de qualquer normatização, pairando sobre qualquer crítica. Era a década de setenta, e do século XVIII!
De lá para cá o Estado mudou consideravelmente, mas algumas coisas não mudaram! As liberdades civis ampliaram-se, e os direitos humanos, que nasceram para proteger os homens do Estado, passaram a ser a razão mesma do Estado. A Justiça criminal passou a ocupar a função de também julgar os indivíduos em razão do assalto e da rapinagem de bens públicos e a permitir investigações dos atos de quem vê no patrimônio comum o combustível para o enriquecimento particular.
Mas o juiz desejado pelo iluminismo também é o avesso do que se percebe em Villefort, o conhecido Procurador Régio que condena ao Château d’If Edmond Dantes, no celebre romance de Alexandre Dumas. Ele é um juiz equilibrado, atencioso com as partes, que não se deixa enganar por acusadores e nem se amedronta frente aos esbirros. Ao magistrado sonhado por Voltaire não é dado o direito à sedução, e a ele não é permitido sequer perceber quaisquer propostas implícitas – ainda que recheadas da elegância cordial das academias - mas que tenham por objetivo ceifar o cumprimento da nobre função de ser correto.
A este juiz ideal é imperioso compreender que todo aquele que é submetido à ação da Justiça tem o sagrado direito a malquerença. Todo réu, todo investigado, e todo criminoso tem o singular direito de identificar no magistrado que julga a causa o seu supremo inimigo, o responsável por todos os seus atos, e o único a ver seus mais diversos delitos. Também ele, o juiz, tem de conviver com a idéia de ser julgado e analisado durante todos os seus dias, além de ser difamado e acusado de agir, impunemente, para a realização de seus próprios desejos. Nada mais natural do que o humano direito de culpar terceiros por seu próprio fracasso.
Em tempos de pós-modernidade são muito importantes as lições de uma República, na qual a justiça, as igualdades e as liberdades são acessíveis aos cidadãos. Infelizmente, esta compreensão de igualdade, base do sentido moderno de República, não é partilhada por todos.
Entender que o sentido do substantivo que nos qualifica – como se adjetivo fosse – reside exatamente na idéia de coisa pública, de espaço de todos, regiamente direcionada pelo senso de igualdade, às vezes é tarefa impossível. A República precisa ser mais uma vez, e sempre, fundada.
O exercício da jurisdição criminal nada mais representa do que um exercício de Republicanismo e de cidadania. Mesmo que este exercício seja vilipendiado, e seu autor tenha de suportar ameaças, difamações, tentativas de achaque e tentativas de constrangimento, é preciso guardar a lhaneza e a tranqüilidade para lembrar que se é, acima de tudo, servidor público.
O juiz imaginário, pensado por Françoise-Marie Arouet, sempre saberá que ninguém está acima das leis e do espaço público, mesmo que em dados momentos, e em dados lugares, seja necessário reinventar a República, ou mesmo instaurá-la, pois é certo que a alguns quadrantes do globo ela parece nunca ter chegado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário